domingo, 31 de janeiro de 2010

Carta para Marte

Caros extra, não fiambre, mas terrestres:
Procuro seis mil milhões de dadores de coração.
Com artérias e veias. E respectivas aurículas:
Esquerda e Direita.
Convém também ter ventrículos.
E todas essas coisas necessárias que eu sei lá.
Não sou médico.
(Só um aparte: nem sei se eles saberão)
Na verdade
Procuro corações com tudo a que eles têm direito
Um coração real, com sentimentos.
Que suporte dores e angústias.
Tristezas e cansaços. Mágoas.
Injustiças e injúrias.
Que aguente a alegria de viver.
O amor, a felicidade. A satisfação pessoal.
O perdão.
E todos os sinónimos relativos a estas palavras enumeradas.
A esta altura do pedido devem estar indignados:
“O que é que este ser pretende?”
Perguntam vocês entre vocês para vocês.
Eu posso responder, mesmo antes de questionarem.
Vai parecer incrivelmente incrível,
Mas tenciono fazer algo inexplicavelmente inexplicável,
Totalmente, absolutamente, completamente inovador no planeta Terra.
Planeio substituir cada pedra de cada um dos seres humanos
Por um coração.
Não acham fantástico?
Aguardo uma resposta. Só vocês me poderão ajudar.

Ervas Daninhas

Batendo a porta saiu.
Pelo sítio que entrou.
Por onde não mais entrará.
Parei. Pensei. Meditei. Cansei.
Olhei, em direcção ao horizonte,
Na esperança de perspectivar o futuro,
De racionalizar o passado,
Agindo no presente.
Bateram à porta.
Tive medo. Serias tu?
Mandei a empregada abrir.
Era o jardineiro, o seu amante.
Deixei-os e de imediato parti.
Fui para o shopping.
Espantado, olhei novamente.
Que espasmo.
Eras tu. Eras mesmo tu.
E o jardineiro.
O meu jardineiro.
Trocaste-me pelo homem das flores.
E das plantas. E das árvores.
Pela primeira vez aprendi algo útil.
E foi logo num centro comercial.
Agora percebo que nada perdi.
Com o jardineiro?
Não passas de uma erva daninha.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Dorme a cidade enquanto tu nela vagueias

Dorme a cidade enquanto tu nela vagueias.
Dorme o mundo quando tu choras.
Dormes tu quando tudo acorda,
Dormes tu enquanto a vida acontece.

Como um estrangeiro que deambula na cidade. Perdido.
Como um estranho que caminha olhando o chão,
Esquecendo que existe vida dentro dele.
Como uma ave a quem amputam as asas.

Fechas-te no teu casulo onde só tu tens lugar.
Onde ninguém entra, de onde tu não sais.
E dormes enquanto tudo em teu redor vive.

E continuarás a dormir sem sonhar.
Esperando o acontecer,
Do nada se transformar em tudo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sentado lá espera o velho

Sentado lá espera o velho.
Naquele banco. Acostumado.
Olhando uma árvore de vanguarda,
Escutando o hino entoado pelos pássaros,
Sentindo a fria brisa tocar a sua árida face.
Sentado lá espera o velho.
Por um sorriso de uma criança inocente,
De um velho que jogue às cartas como um velho com o velho,
De um circular de pessoas, ora vazias ora cheiras.
Aguarda o velho o tudo e o nada. O imenso e o escasso.
A vida e a morte. O céu e o inferno.
Sentado lá espera o velho.
De um poema que seja proclamado do alto bosque,
De uma canção cantada como um cântico que nos cala,
De uma voz que lhe soe ao coração como o mel nos lábios,
Sentado lá espera o velho.
Sentado, à espera.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Vou esperar acordado

Bate, bate, bate. Bate à porta devagar.
Estou a dormir.
Não me acordes.
Balança, balança, balança. Balança-me devagar.
Não me acordes.
Estou a sonhar.
Chama, chama, chama. Chama-me docemente.
Estou a viver.
Não me acordes.
Acordei. Tu já não estás.
Não mais vou dormir.
Vou esperar acordado.
Por ti.
Até que tu venhas.
Acordado.
Esperando,
Que me embales com o teu sorriso.
Que me aqueças o coração.
Que me faças adormecer.
Acordado,
Até que tu venhas.
Por ti,
Vou esperar acordado.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Arde o céu e ardes tu

Arde o céu, que cintila com cada chama acesa.
Arde o mar, resplandecendo o fogo do céu ferido. Fuzilado.
Arde o vento. Arde o ar. Ardes tu.
E irás ser consumido pelo fogo que lavra na tua alma
Que te irá aniquilar a cada minuto. A cada minuto. A cada minuto.
E o fogo queimará o teu ser. E deixarás de viver.
Começarás a sofrer. E um dia irás morrer.
Irás decair como cada palavra terminada em êr. Em ir.
E irás questionar o porquê. Ninguém te irá responder.
Não esperes que seja eu a faze-lo, por favor.
Sou mensageiro de boas novas, não da morte.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Palavras

Palavras que açoitam a alma como um chicotear constante na pele marcada pela dor. Palavras que atingem o meu ser como uma flecha falhada, como um copo caído. Como um prato partido quebrado por promessas frívolas proferidas em vão. Como um corpo em chamas corrompido pelo ácido destruidor da alma. Palavras que se unem aniquilando o tudo e o nada que se atravessa. Seja pouco ou muito. Bom ou mau. Melhor ou pior. Palavras que penetram o coração e o fazem sangrar. E o coração chora. E chorará enquanto palavras forem proferidas em vão, sem sentido, sem significado, noção, conceito ou definição. Palavras. As palavras guardadas, jamais faladas. As minhas palavras. As tuas palavras. As palavras.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Sente o meu olhar

Sente o meu olhar
O meu pensar.
Sente o meu olhar
O meu perder
Sente o meu olhar
O meu agir.
Sente o meu olhar
O meu amar.
Sente o meu olhar
O meu ser.
Sente o meu olhar
O meu sorrir.
Sente o meu olhar
O meu acabar,
O meu partir.
No meu morrer
Sente o meu olhar.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Incongruências de uma vida condenada à confusão da linearidade de outra vida.

Será o homem tão vazio como um copo de água a transbordar?
Será o homem tão água como um copo de vazio a transbordar?
Será o homem tão energúmeno-demente-insciente que não consiga alcançar o que acabei de escrever?
Será o homem homem? Ou o homem homem o será?
Será? E porque será? O que será? E quando será? Onde será?
Mas será que será?
O quê?
No Inverno? Não, no Verão. Aliás, no Outono já que é uma estação menos habitual para ir de férias.
Seja onde for. O que interessa é estarmos juntos.
Mas quem? Eu? Tu? Não, nós os dois não combinamos. Já percebemos que Tu e Eu não dá. Chegamos ainda à conclusão que EU e TU também não. Não há um nós.
Nós? Não, já disse que não dava.
Mas quando fores lá cima traz-me um quilo delas.
E porque existe um nós se aqui só existe um. Ah, és tu.
Será o homem tão oco como uma frase sem palavras?
Será o homem tão sem palavras como uma frase oca?
O que interessa é ter trabalho. E saudinha. E alguma prosperidade. O resto é festa.
Pelos menos estes são os votos dos famosos, e dos ricos, e dos pobres, e dos da classe média, alta, média ou baixa, e dos pobres mais pobres, e dos pobres meio pobres, e dos pobres menos pobres, e dos pobres pedintes, e dos pobres miseráveis, e dos pobres dorminhocos das ruas, e dos outros pobres, e dos pobres de espírito, e dos ricos ricos, e dos ricos ainda mais ricos, e dos ricos mais classe média, e dos ricos aparentes, e dos restantes que não me apetece relatar.
Agora, como é que acabo isto? Ah, com um ponto final.