domingo, 12 de dezembro de 2010

A Singularidade do Amor na Terceira Idade. Ou semelhante.

Foi naquela rua que vi Maria Gertrudes acompanhada pela Maria de Lurdes a passear. Seguras pelo braço uma da outra lá caminhavam. Mal se seguravam. Acrescente-se. Cada uma com a sua canadiana. Mais à frente o compadre Frederico com a sua sueca. Uma queixava-se do reumatismo. Outra da fortuna que havia deixado na farmácia. A primeira queixava-se da reforma. À segunda faltava o dinheiro. À terça era dia da sueca. Não a do Frederico. Era o jogo de cartas das tias da idade das avós. Mas estas duas não eram tias. Sim. Tinham sobrinhos. Mas faziam parte da plebe. Mas à terça lá se sentavam em frente ao salão de chá “Tia Goreti” a ver as tias jogarem uma cartada. Enquanto observavam liam a Maria e falavam de fulano e sicrano que haviam discutido na tarde que vem. Não faz sentido o que acabei de escrever? Faz. Mais adiante perceberão. Se não forem uns ignorantes intelectuais. Ou então irei me esquecer. Ou simplesmente não me irei lembrar do que escrevi. Mas adiante. Enquanto iam relatando os problemas uma à outra a Maria Gertrudes referiu algo. “Sabes Marylu, estou apaixonada. Tão apaixonada que comecei a ficar mais inchada. Reparei nisso quando ia pegar na enxada. Não consegui”. Ao que Maria de Lurdes responde. “Que maravilha amiga. É desta que vais sair da serpa torta. Mas quem é ele?”. Maria Gertrudes ficou hesitante se havia ou não de contar à amiga de sempre. Mas decidiu contar. “É o Horácio Joaquim. O filho da falecida Clementina. O empregado da drogaria do Afonso. Acho que ainda pertence àqueles dos cotões tremidos. Ele costuma ir lá a casa ajudar a enfermeira a mudar-me a fralda todas as tardes. Ela também já não pode comigo. Então ele já conhece os meus podres. Acho que está na altura de lhe mostrar o meu ar doce e talvez o meu ar mais rebelde. Way”. Enfim. A história e a estória já vai longe e nada de concreto foi contado. O dia passou. Era terça-feira. Lá estavam estas tias a ver as tias da idade das avós a jogar à sueca e o Senhor Frederico a voltar a passar com a mesma. Chegou a quarta-feira. E lá estava o Fulano e o Sicrano a discutir. E não é que estas tias adivinharam o que iria acontecer? Também não era difícil. Eram os gajos da TVI a gravar novelas. Novelas diferentes. Mas eram todas iguais. Toda a quarta-feira lá estavam eles a gravar. E elas a cuscar. Aliás. Eu acho que todos vocês conhecem a Maria Gertrudes e a Maria de Lurdes. Estão todos os dias no programa daquela rapariga da manhã, a Manuel Luís Goucha. Pronto. É isso. A Maria de Lurdes ainda fica para as Tardes da Júlia. Também é meia surda. Não há problema. Mas a Gertrudes tem que ir ter com o drogado. E depois o que aconteceu? Não sei. O resto da história está nas mãos do leitor. Nas mãos? Não. Na mente. Onde quer que seja. Nos pés. No intestino. No esófago. No fígado. Noções e conceitos aprendidos quando fui apreendido. Partilhei a cela com um Biólogo. Imaginem o resto que eu já não tenho imaginação para imaginar. Ah, acabei de receber uma mensagem escrita a dizer que a Gertrudes acabou de se casar. Entretanto foi cremada. Foi o marido. cobriu-a de creme! Devia ser um fetiche dele. O que é certo é que o senhor morreu. Era diabético.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Alto aí e pára o baile !

Pareceu-me que o tempo havia parado,
Como se tudo em nosso redor não tivesse vida.
As árvores, os rios.
Os mares e os amores entre mares e marinheiros.
Era como se a chuva caísse e não molhasse,
Como se o sol secasse aquilo que a chuva não molhasse.
Dasse.
Pareceu-me. Ou então era real.
O mundo parou. Nunca mais rodou.
Nem balançou com os tremores. Os meus tremores.
E temores. De amores. De paixão.
Ou de sono, quando caio da cama.
Com o meu peso o chão estremece.
Não que seja gordo, mas o chão é fracote.
Enfim, uma panóplia (…)
E agora façamos uma pausa.
Panóplia? Gosto muito desta palavra.
De emoções que ocorreram, de sonhos sonhados
E sonhos comidos trazidos pela minha tia.
Enfim.
Pareceu-me que o tempo havia parado,
Mas estava equivocado.
E finalmente percebi.
O Relógio ficou sem pilha.
Vou levá-lo ao relojoeiro.
E levei.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Longe, bem longe !

Diz-me,
O que procuras?
Com esse olhar de amêndoa.
Seguro, Sereno,
Sombrio.
Profundo como o mar.
Que vai pousando:
Num pálido penedo.
Num penhasco.
Que é parapeito do meu olhar.
Diz-me,
O que procuras?
Com esse olhar moribundo,
Vagabundo.
Talvez profundo.
Que me alcança o coração
E me penetra a alma.
Devia me acalmar?
Não me acalma.
Diz-me,
O que procuras?
Com esse olhar cego
Que o próprio cego não pode ver.
E eu também não.
Diz-me,
O que procuras?
Procuras, mas nada vês.
Nada sentes. Nada queres.
Nada tens.
Diz-me,
Porque me procuras?
Não estou aí.
Estou aqui.
Longe, bem longe.
Onde sempre irei estar.
Longe, bem longe.
“Estou aqui !”
Eu também estou:
Longe, bem longe!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ora Hora

Hora morta…hora viva.
Ora morta ora viva.
Hora primeira hora terceira
Ora morte na algibeira.
Hora d’ouro. Hora de prata
Ora vem ora quem,
Hora segunda e acata
Hora na horta ora torta
Ora sem hora:
Hora por aí fora !

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Não há uma norma-padrão para a escrita !

Deixa a chuva cair. Observa-a somente da janela. Deixa o vento soprar. Observa-o somente da janela. Fiquemos serenos neste confortável sófá. A lareira está acesa. O chocolate quente está quente. Sente esta fria brisa que entra pela fechadura da porta e pelas fendas existentes na parede que a idade da habitação só ajuda a dilatar. Estas paredes precisavam mesmo era de uma banda gástrica para deixarem de alargar. Puxa o cobertor polar para cima. Cobre os pés. Não te constipes. Vou-te buscar umas meias da avó do capuchinho. Enquanto isso, cuidado, pode chegar o lobo mau. Cheguei. Não, não chegou o lobo mau. Sou simplesmente eu com as meias. Veste-as. Sentes? Sim, agora já não tens tanto frio nos pezinhos. Estás feliz? Queres que te prepare alguma coisa? Uns rissóis? Uns croquetes? Umas coxinhas de frango? Dizem que cai muito bem com um chocolate quente, que entretanto esfriou. Mas vá, agora fita-me. Fita-me com o teu olhar. Mas não me fintes como o Cristiano. Só quero que me fites. Que me aprecies. Que me queiras. Que me embrulhes e me coloques uma fita na cabeça. Que me consumas como consumiste o chocolate quente que havia esfriado. A chuva parou. Mas o frio piorou. Olha, até rimou. Que engraçado que tu és, pensavas tu enquanto sorrias com esse teu ar maroto. Ou então era um sorriso irónico. Tu não me amas, pensava eu aquando o entristecer do meu coração. Leste-me os pensamentos e disseste que gostavas de mim. Foi uma cena realmente incrível. Digna de um filme de Bollywood. Quando disseste estas palavras, em simultâneo com o meu pensar, assustei-me e caí do sofá. Fiquei imóvel no chão. Mais precisamente um virgula cinco segundos. Depois ri-me. E voltei a rir. E ri novamente. Com gargalhadas que pareciam grunhidos de um ajuntamento de porcos. Em português correcto, e sem a influência do novo acordo ortográfico, uma vara. Tu também te riste de mim. Era tanta a nossa alegria. Tu disseste que eu era o António de Oliveira Salazar porque caí do sófá. Eu disse-te que tu eras a Oprah porque estavas alapada nele. Parecias uma marmanjona. Uma autêntica sopeira. Só te faltavam as argolas de ouro e as nike shoks. Ah, outra diferença é que não eras negra. Mais pareces uma autêntica sueca. Já que falo nisso, tenho saudades de jogar a ti. Passada a cavaqueira ficamos sérios. Muito sérios. Vamos beber vinho. Enchi o teu copo. Enchi o meu. Voltei a encher o meu. Novamente o meu. Mais o meu. Vou buscar outra garrafa. Um copinho para ti. Mais três ou quatro para mim. Vai tu buscar a garrafa que a idade já não me deixa vaguear pelo lar. Estávamos alegres. Muito alegres. Na verdade estávamos embriagados. Bêbados para os mais incultos. Bebemos um copo a mais. Ou muitos demais. Vi-te adormecer. A salivar enquanto dormias. A ressonar que nem uma vaca. Entretanto também adormeci. Quando acordei era hora de ir trabalhar. E fui.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um ser

Sou um ser que divaga no vazio da minha mente.
Sou um ser que emana vazio como se do cheio se tratasse.
Sou um ser
Que resplandece no cheio dos outros.
Vazio para mim, cheio para ti.
Sou um ser vazio que admite o vazio que há no vazio.
Um ser vazio camuflado pelo cheio, mas vazio
No fundo sou um ser que reflecte o que há em ti.
Sou um ser.
Vazio,
Mas um ser.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Isto é Literatura

Sente a minha mão
Segura-a.
Sente o meu pé.
Cheira-o.
Sente o meu calor.
Passa a tua mão pelo meu suor.
Sentes?
Exactamente
A minha mãe disse-me o mesmo
“Vai já para a banheira”.
E lá fui eu.
Peguei no patinho de borracha,
No esfregão e no líquido da loiça.
Lá fui eu.
Não a caminho de Viseu
Mas esfreguei cada pneu.
Hum, que cheiroso que estou.
Sente a minha mão
Segura-a.
Sente o meu pé.
Cheira-o.
Sente o meu calor
Passa a tua mão pelo meu suor
Sentes?
Exactamente,
Tomei banho.
Já agora, preciso de um lenço
Para assoar o ranho.
Se isto é literatura?
É, nua e crua.

Chama o meu nome

Chama o meu nome.
Preciso que chames o meu nome.
Por uma última vez.
Chama o meu nome.
Desesperadamente te peço:
Chama o meu nome.
Não te vás sem o chamares,
Por favor.
Por favor.
Vivo esperei por este chamar.
Chama o meu nome,
Antes que eu me vá.
Antes que o meu coração pare.
Antes do findar do meu respirar.
Antes d’eu parar de clamar pelo teu chamar.
Antes, antes do fim.
Do meu fim.
Chama o meu nome.

domingo, 22 de agosto de 2010

Deixei-a passar.

Senti o tempo a passar por mim. Devagar. Muito devagar. Sem pressa. Mas sentia-o a passar. E ele passava. E sorria para mim com aquele seu ar irónico. E eu sorria para ele, com medo. Tinha medo do tempo. E circundava-me. E eu entrelaçava os braços enquanto me perdia no olhar. No meu próprio olhar. E o tempo passava. E caminhava eu. Em frente. Sempre para a frente. Mesmo que o caminho fosse para trás. Ou mesmo para os lados, esquerdo ou direito. E o tempo passava. E lá estava eu, a errar e voltar a errar. Constantemente a viver uma vida condenada à vivência do erro. E o tempo continuava a passar. Toda uma existência no mesmo registo. Toda uma vida condenada a uma existência a que chamei vida. Toda uma existência camuflada pela palavra vida. E eu sem perceber que a vida é que passava por mim. Devagar. E eu deixei-a passar.

sábado, 21 de agosto de 2010

O Sabor de Amar, a Vontade de Viver

Nasci criança, vivi criança.
Fui criança sem uma crença.
Fui criada, fui uma cria.
Na verdade eu queria
Um querer que o mundo não sabia.
Saber, até sabia,
Mas ele não cria.
Limitou-me no pensar, no agir e no Falar.
Mas não me impossibilitou de sonhar,
De amar, de correr e de gritar.
Nasci criança, vivi criança,
Com o sonho que uma criança transporta.
E transborda.
Como o sonho que perdura e volta.
E volta a perdurar e resistir.
Na minha mente.
Mente que cria no meu querer.
Não me deixou desistir.
E eu transbordo,
E transporto.
E volto a transbordar a alegria de viver,
O júbilo de poder sonhar
A vontade de crescer.
O Sabor de Amar.
O mundo não cria no meu querer,
No meu querer em descobrir
O Sabor de Amar, a Vontade de Viver.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Como a folha de uma árvore

Ingénua,
Como a folha de uma árvore,
Caída no vazio do chão em pleno Outono.
Calcada, espezinhada.
Desfeita.
Ingénua,
Como a folha de uma árvore,
Atraiçoada pelo vento,
Pela chuva.
Pelo brilhar do sol.
Ingénua,
Como a folha de uma árvore,
Que um dia fez resplandecer a sua cor.
A sua vida,
A sua alma.
Ingénua,
Como a folha de uma árvore,
Que morre,
Boiando do ribeiro para o riacho,
Do rio para o mar.
Do fogo para as cinzas,
Da calma para o tormento.
Da vida para a morte.
Ingénua,
Como a folha de uma árvore,
Que morre:Da vida para a morte

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mas que irei voar, Irei.

Se vou ter asas?
Não sei.
Mas que irei voar,
Irei.
O resto?
É a “sombra de árvores alheias”
Que nos incomodam enquanto sonhamos.
Sombras que aguardam o nosso naufrágio,
Esperando que afundemos.
Que sejamos sepultados e enterrados,
Que a terra suja nos esconda.
Aguardam o nosso cair.
Não esperando que nos levantemos.
Aguardam que sejamos consumidos.
Esperando o nosso fim.
Mas, “o sonho comanda a vida”.
Se vou ter asas?
Não sei.
Mas que irei voar,
Irei.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sozinha caminha a cidade

Sozinha caminha a cidade,
Como se ninguém nela parasse.
A olhasse.
A amasse.
Perdida caminha a cidade,
Como se ninguém a sentisse.
A ouvisse.
A seduzisse.
Para longe caminha a cidade,
Como se ninguém por ela passasse.
Por ela sofresse.
Por ela se perdesse.
Desamada caminha a cidade,
Esperando que alguém nela repare.
Que aprecie a sua calçada
Que olhe além das paredes.
Dos jardins. Das ruas e ruelas
Sozinha caminha a cidade
Para sempre,
Sozinha.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Dei um passo em direcção ao sol

Dei um passo em direcção ao sol
Passo a passo. Pouco a pouco.
Segui o arco-íris. Levar-me-ia perto.
Por breves instantes senti-o próximo.
Tão próximo.
Estava ali, mesmo de frente para mim
Parecia que me queria tocar.
Tive medo. E caí.
Se calhar o sol era demais para mim.
Não devo voar tão alto.
Tentei a lua e dei o primeiro passo.
Dei o segundo. O terceiro. Quarto.
Tentei percorrer o luar.
Imaginei que seria mais fácil.
Estava enganado.
Profundamente enganado.
A lua era traiçoeira.
E o caminho até ela era difícil.
Tantos eram os obstáculos.
Desisti antes de cair.
Não me magoei.
Para mim as aventuras acabavam ali.
Traído pela lua. Pelo sol.
Não. Eu sei que não foi bem assim.
Na verdade fui eu que me atraiçoei
A mim mesmo.
O medo dominou-me. Não consegui.
Sou um simples mortal.
E a culpa não é minha.
Não exijam tanto de mim.
Se fui ao sol não foi por minha vontade.
Se quis a lua?
Na verdade não a queria.
Porque me pedem tanto?
Já sabem que irei falhar.
Estou farto. Parem.
Eu também tenho desejos.
Ambições. Pretensões.
A minha vida não é a tua.
Aprendi hoje isso:
A minha vida não é a tua.
Deixem-me em paz.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Hoje não fui ao café

Hoje não fui ao café.
Nem li o jornal.
Mas e daí?
Poupei uns euros e voltei para casa.
Liguei o aquecedor e empanturrei-me de comida.
E agora vocês perguntam?
"Não era suposto isto ser um poema?
Ou um texto bonito?"
Ao que eu respondo:
"E não é?"
E voltam a retorquir:
"Não estamos habituados a este tipo de escrita!"
Não vos respondo, e questionam-me:
"Não respondes?"
Ao que eu digo: "Não".
Agora é a altura de berrarem comigo.
Gritarem.
Chamarem-me nomes.
Insultarem (é sinónimo).
Tudo por causa da palavra não.
Já estou a ver que vai ser o cabo dos trabalhos.
O Raimundo Silva também passou horrores por causa do não.
Yes, é aqui que entra a intertextualidade.
Estou a ficar um escritor de textos literários.
Já nem escrevo mais para não estragar esta pérola da literatura.

O meu amor por ti não acaba

O meu amor por ti não acaba.
Hoje vou gostar de ti,
Tal como ontem.
Nem mais nem menos.
Mas o meu amor por ti não acaba.
Como uma fonte inesgotável
Como um recurso que se renova
O meu amor por ti é assim, não acaba.
Ergue-se a cada beijo teu.
A cada toque. A cada sorrir.
A cada imagem tua na minha mente
É assim o meu amor por ti, não acaba.
Que se quebranta face à tua tristeza.
À tua mágoa. À tua dor.
Face à melancolia sentimental sentida.
Não acaba o meu amor por ti.
Um amor irrequieto. Sereno.
Conduzido para o expoente da alma
Para o auge do sentimento.
Culminando na paixão.
É assim o meu amor por ti.
Um amor amado.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Um ser moribundo a entrar na decadência

O tempo parou e parei com ele.
Girei eu quando o mundo girou.
E rodopiei.
A terra tremeu. Eu tremi também.
Como um vaso que cai do umbral,
Como uma pétala emurchecida
Seca pelo sol.
Como um corpo que deambula
Por um trilho desconhecido,
Tenebroso.
Assim era eu, vagueando no escuro.
Em busca do que me faltava:
A alma.
Assim era eu,
Depois do tempo parar, do mundo girar.
E da terra tremer.
Um ser moribundo a entrar na decadência.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Não aconselhada a leitura a menores de 94 anos

Eu avisei-te, não devias ler.
E ainda continuas?
Olha que o destino final é trágico.
Pára enquanto podes.
Vai ser tarde de mais.
Olha para o que eu te digo.
Não, não avances mais.
Por favor.
Pela tua segurança.
Pára já aqui.
A opção foi tua.
O aviso foi dado.
Ultima oportunidade.
Não queres acabar aqui?
Pronto. Tu decidiste.
Vais te transformar num sapo.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Carta para Marte

Caros extra, não fiambre, mas terrestres:
Procuro seis mil milhões de dadores de coração.
Com artérias e veias. E respectivas aurículas:
Esquerda e Direita.
Convém também ter ventrículos.
E todas essas coisas necessárias que eu sei lá.
Não sou médico.
(Só um aparte: nem sei se eles saberão)
Na verdade
Procuro corações com tudo a que eles têm direito
Um coração real, com sentimentos.
Que suporte dores e angústias.
Tristezas e cansaços. Mágoas.
Injustiças e injúrias.
Que aguente a alegria de viver.
O amor, a felicidade. A satisfação pessoal.
O perdão.
E todos os sinónimos relativos a estas palavras enumeradas.
A esta altura do pedido devem estar indignados:
“O que é que este ser pretende?”
Perguntam vocês entre vocês para vocês.
Eu posso responder, mesmo antes de questionarem.
Vai parecer incrivelmente incrível,
Mas tenciono fazer algo inexplicavelmente inexplicável,
Totalmente, absolutamente, completamente inovador no planeta Terra.
Planeio substituir cada pedra de cada um dos seres humanos
Por um coração.
Não acham fantástico?
Aguardo uma resposta. Só vocês me poderão ajudar.

Ervas Daninhas

Batendo a porta saiu.
Pelo sítio que entrou.
Por onde não mais entrará.
Parei. Pensei. Meditei. Cansei.
Olhei, em direcção ao horizonte,
Na esperança de perspectivar o futuro,
De racionalizar o passado,
Agindo no presente.
Bateram à porta.
Tive medo. Serias tu?
Mandei a empregada abrir.
Era o jardineiro, o seu amante.
Deixei-os e de imediato parti.
Fui para o shopping.
Espantado, olhei novamente.
Que espasmo.
Eras tu. Eras mesmo tu.
E o jardineiro.
O meu jardineiro.
Trocaste-me pelo homem das flores.
E das plantas. E das árvores.
Pela primeira vez aprendi algo útil.
E foi logo num centro comercial.
Agora percebo que nada perdi.
Com o jardineiro?
Não passas de uma erva daninha.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Dorme a cidade enquanto tu nela vagueias

Dorme a cidade enquanto tu nela vagueias.
Dorme o mundo quando tu choras.
Dormes tu quando tudo acorda,
Dormes tu enquanto a vida acontece.

Como um estrangeiro que deambula na cidade. Perdido.
Como um estranho que caminha olhando o chão,
Esquecendo que existe vida dentro dele.
Como uma ave a quem amputam as asas.

Fechas-te no teu casulo onde só tu tens lugar.
Onde ninguém entra, de onde tu não sais.
E dormes enquanto tudo em teu redor vive.

E continuarás a dormir sem sonhar.
Esperando o acontecer,
Do nada se transformar em tudo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sentado lá espera o velho

Sentado lá espera o velho.
Naquele banco. Acostumado.
Olhando uma árvore de vanguarda,
Escutando o hino entoado pelos pássaros,
Sentindo a fria brisa tocar a sua árida face.
Sentado lá espera o velho.
Por um sorriso de uma criança inocente,
De um velho que jogue às cartas como um velho com o velho,
De um circular de pessoas, ora vazias ora cheiras.
Aguarda o velho o tudo e o nada. O imenso e o escasso.
A vida e a morte. O céu e o inferno.
Sentado lá espera o velho.
De um poema que seja proclamado do alto bosque,
De uma canção cantada como um cântico que nos cala,
De uma voz que lhe soe ao coração como o mel nos lábios,
Sentado lá espera o velho.
Sentado, à espera.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Vou esperar acordado

Bate, bate, bate. Bate à porta devagar.
Estou a dormir.
Não me acordes.
Balança, balança, balança. Balança-me devagar.
Não me acordes.
Estou a sonhar.
Chama, chama, chama. Chama-me docemente.
Estou a viver.
Não me acordes.
Acordei. Tu já não estás.
Não mais vou dormir.
Vou esperar acordado.
Por ti.
Até que tu venhas.
Acordado.
Esperando,
Que me embales com o teu sorriso.
Que me aqueças o coração.
Que me faças adormecer.
Acordado,
Até que tu venhas.
Por ti,
Vou esperar acordado.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Arde o céu e ardes tu

Arde o céu, que cintila com cada chama acesa.
Arde o mar, resplandecendo o fogo do céu ferido. Fuzilado.
Arde o vento. Arde o ar. Ardes tu.
E irás ser consumido pelo fogo que lavra na tua alma
Que te irá aniquilar a cada minuto. A cada minuto. A cada minuto.
E o fogo queimará o teu ser. E deixarás de viver.
Começarás a sofrer. E um dia irás morrer.
Irás decair como cada palavra terminada em êr. Em ir.
E irás questionar o porquê. Ninguém te irá responder.
Não esperes que seja eu a faze-lo, por favor.
Sou mensageiro de boas novas, não da morte.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Palavras

Palavras que açoitam a alma como um chicotear constante na pele marcada pela dor. Palavras que atingem o meu ser como uma flecha falhada, como um copo caído. Como um prato partido quebrado por promessas frívolas proferidas em vão. Como um corpo em chamas corrompido pelo ácido destruidor da alma. Palavras que se unem aniquilando o tudo e o nada que se atravessa. Seja pouco ou muito. Bom ou mau. Melhor ou pior. Palavras que penetram o coração e o fazem sangrar. E o coração chora. E chorará enquanto palavras forem proferidas em vão, sem sentido, sem significado, noção, conceito ou definição. Palavras. As palavras guardadas, jamais faladas. As minhas palavras. As tuas palavras. As palavras.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Sente o meu olhar

Sente o meu olhar
O meu pensar.
Sente o meu olhar
O meu perder
Sente o meu olhar
O meu agir.
Sente o meu olhar
O meu amar.
Sente o meu olhar
O meu ser.
Sente o meu olhar
O meu sorrir.
Sente o meu olhar
O meu acabar,
O meu partir.
No meu morrer
Sente o meu olhar.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Incongruências de uma vida condenada à confusão da linearidade de outra vida.

Será o homem tão vazio como um copo de água a transbordar?
Será o homem tão água como um copo de vazio a transbordar?
Será o homem tão energúmeno-demente-insciente que não consiga alcançar o que acabei de escrever?
Será o homem homem? Ou o homem homem o será?
Será? E porque será? O que será? E quando será? Onde será?
Mas será que será?
O quê?
No Inverno? Não, no Verão. Aliás, no Outono já que é uma estação menos habitual para ir de férias.
Seja onde for. O que interessa é estarmos juntos.
Mas quem? Eu? Tu? Não, nós os dois não combinamos. Já percebemos que Tu e Eu não dá. Chegamos ainda à conclusão que EU e TU também não. Não há um nós.
Nós? Não, já disse que não dava.
Mas quando fores lá cima traz-me um quilo delas.
E porque existe um nós se aqui só existe um. Ah, és tu.
Será o homem tão oco como uma frase sem palavras?
Será o homem tão sem palavras como uma frase oca?
O que interessa é ter trabalho. E saudinha. E alguma prosperidade. O resto é festa.
Pelos menos estes são os votos dos famosos, e dos ricos, e dos pobres, e dos da classe média, alta, média ou baixa, e dos pobres mais pobres, e dos pobres meio pobres, e dos pobres menos pobres, e dos pobres pedintes, e dos pobres miseráveis, e dos pobres dorminhocos das ruas, e dos outros pobres, e dos pobres de espírito, e dos ricos ricos, e dos ricos ainda mais ricos, e dos ricos mais classe média, e dos ricos aparentes, e dos restantes que não me apetece relatar.
Agora, como é que acabo isto? Ah, com um ponto final.