domingo, 16 de agosto de 2009

Vive

De pele escura e rosto sofrido lá estava ele. Com olhos castanhos inundados de saber. Mãos marcadas pela dor. Lábios condenados ao silêncio. O vestuário era próprio do seu tempo. Não do meu. Hoje é um simples velho como tantos outros perdidos pelas ruas da cidade ou do campo. Estão por toda a parte. A cada passo. Em cada esquina. Este é um simples velho marcado pelo tormento daquilo a que chamamos vida. Vida aqui é sofrimento. Tristeza. Angústia. Dor. Rancor. Medo. Arrependimento. Um dia foi alguém. Hoje é um ser faminto. Tem fome e sede. Fome de calor humano. Sede da vida. Fome do amor. Sede da paixão de viver. Hoje não é nada. Nunca o foi. Por sua culpa. Não teve sonhos. Ambições. Desejos. Pretensões. Pecou por isso. Viveu longe, bem longe. Num lugar chamado mentira. A mentira do amor. Do afecto. A mentira da família. A mentira chamada homem. A sua morada hoje chama-se solidão. Hoje está só. Não encarou a vida como uma flecha. Sempre acreditou que um dia poderia recuperar tudo. Ela não voltou. Está ali. Só. Teve nas suas mãos um instrumento que podia por ele ter sido tocado : o destino. Não aprendeu a tocar as suas próprias notas. Guiou-se pela música dos outros. Não foi autónomo. Incapaz. Está ali. Só. Olhou sempre para o futuro. Menosprezou o passado. Nada aprendeu. Deveria ter fitado a vida como um anteontem. Ter aprendido sempre com o passado do passado. Mas está ali. Só. Esteve ali ontem. Está lá hoje. Estará lá amanhã. Só. Este velho é intemporal. Não tem idade. Podes ser tu ou eu. Para que este velho não tenha o teu nome luta. Sofre. Ama. Chora. Ri. Pula. Brinca. Corre. Pragueja. Grita. Salta. Critica. Vive. Encara a vida e vive. Não te limites a existir, a sobreviver ou permanecer aqui e ali. Vive.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Era uma vez...

E raiava o sol, e as ondas, e o mar passava por entre as rochas. Ali estava Beatriz, este o seu nome, à espera. De algo, de alguém, não se sabe. Mas ali permaneceu a olhar, sem nada ver. A observar o mais ínfimo pormenor, mas sem nada alcançar. Era um dia ensolarado, e a doce brisa tocava a sua bela face, morena, queimada pelo sol, o seu cabelo castanho. Pensativa, calma e serena. Enfim, uma menina que não era mais uma menina. E aquele mar acalmava-a. Era na fúria das ondas que ela descarregava a sua raiva. Mas era na mesma fúria que ganhava forças para o resto, para a vida. Para a sua vida. Agora sim, podemos começar. Era uma vez uma rapariga chamada Beatriz e só ela poderá narrar o resto da sua história

Estou aqui

Estou aqui, perdido nesta imensidão de nada, desgarrado de tudo o que perturba o meu ser, a minha integridade, o meu ânimo. Sempre que afundo e a minh’alma naufraga, o meu pensamento sucumbe. Incessantemente procuro o trilho ideal para conduzir o meu cadáver, que por consequência levará o meu intimo a viajar para longe, bem longe. Por vezes a escolha da estrada é errada e o resultado disso é mais um desapontar, uma crença falhada. Seguir em frente aqui não é solução, em frente significa o caminho errado. Viro à esquerda, à direita, volto a trás. Novamente em frente. Neste lugar são inúmeras as escolhas que poderia tomar. Por mais que a escolha seja a correcta, serei sempre conduzido para o fundo. Estou condenado a viver amargamente entristecido por esta sorte. Ironicamente ou não, na verdade, não quero ser feliz, nem andar jubiloso pelas ruas, ficar radiante por amar, observar uma borboleta resplandecendo o seu encanto, alegrar-me com o canto das aves, por abraçar a vida. Não quero. Ser feliz não é prioridade. Trás preocupações e, como num ciclo vicioso, são inúmeros os sentimentos que a estas afluem. Não quero o caos nem a desordem, não à confusão nem à balbúrdia sentimental. Quero a vida assim, simples, triste mas simples. Estou aqui, perdido nesta imensidão de nada, desgarrado de tudo o que perturba o meu ser…

domingo, 2 de agosto de 2009

Hoje pensei escrever

Hoje pensei escrever um poema. Depois de tanto meditar, quiçá reflectir, nada rabisquei. Não sou um grande poeta, ou um grandioso escritor, muito menos um autor de pomposas obras. O que daqui sair não é fruto de inspiração, nem se deve a uma musa que me prende o fôlego ou me dá ânimo nos dias mais cinzentos. Escrevo quando estou triste, quando estou alegre, escrevo quando estou indiferente a tudo, a todos. Sou um simples mortal, que embora vivo, morreu para a morte. Se calhar hoje não vivo, apenas sou uma criatura vivente, que simplesmente subsiste ao infortúnio da existência, que se tornou na minha permanência, neste mundo de ausência, marcado pela existência de rimas em total decadência. Por vezes procuro a palavra certa, o parecer verdadeiro acerca do mundo, desde que o mundo se tornou mundo e eu me tornei eu, a expressão que exprima o meu ego. Sou um indivíduo com uma certa individualidade, uma identidade que me identifica. Na pluralidade das circunstâncias não sou aquilo que anseiam que seja, nem serei o que não tencionam que venha a ser. O ente que desejavam fitar, sucumbiu. Há quem insista em proferir que sou uma espécie de muralha, que enfrenta perigos de toda a sorte e é inabalável. Eu digo o contrário, sou atingível, e também gozo de algumas derrotas. Essas são uma pequena fracção da vida, da existência. São essas contrariedades que acontecem ao longo da nossa actividade por este mundo que faz com que acreditemos que tudo pode ser melhor. Termino aqui, bem diferente do que tinha principiado. Mas e daí?