domingo, 12 de dezembro de 2010

A Singularidade do Amor na Terceira Idade. Ou semelhante.

Foi naquela rua que vi Maria Gertrudes acompanhada pela Maria de Lurdes a passear. Seguras pelo braço uma da outra lá caminhavam. Mal se seguravam. Acrescente-se. Cada uma com a sua canadiana. Mais à frente o compadre Frederico com a sua sueca. Uma queixava-se do reumatismo. Outra da fortuna que havia deixado na farmácia. A primeira queixava-se da reforma. À segunda faltava o dinheiro. À terça era dia da sueca. Não a do Frederico. Era o jogo de cartas das tias da idade das avós. Mas estas duas não eram tias. Sim. Tinham sobrinhos. Mas faziam parte da plebe. Mas à terça lá se sentavam em frente ao salão de chá “Tia Goreti” a ver as tias jogarem uma cartada. Enquanto observavam liam a Maria e falavam de fulano e sicrano que haviam discutido na tarde que vem. Não faz sentido o que acabei de escrever? Faz. Mais adiante perceberão. Se não forem uns ignorantes intelectuais. Ou então irei me esquecer. Ou simplesmente não me irei lembrar do que escrevi. Mas adiante. Enquanto iam relatando os problemas uma à outra a Maria Gertrudes referiu algo. “Sabes Marylu, estou apaixonada. Tão apaixonada que comecei a ficar mais inchada. Reparei nisso quando ia pegar na enxada. Não consegui”. Ao que Maria de Lurdes responde. “Que maravilha amiga. É desta que vais sair da serpa torta. Mas quem é ele?”. Maria Gertrudes ficou hesitante se havia ou não de contar à amiga de sempre. Mas decidiu contar. “É o Horácio Joaquim. O filho da falecida Clementina. O empregado da drogaria do Afonso. Acho que ainda pertence àqueles dos cotões tremidos. Ele costuma ir lá a casa ajudar a enfermeira a mudar-me a fralda todas as tardes. Ela também já não pode comigo. Então ele já conhece os meus podres. Acho que está na altura de lhe mostrar o meu ar doce e talvez o meu ar mais rebelde. Way”. Enfim. A história e a estória já vai longe e nada de concreto foi contado. O dia passou. Era terça-feira. Lá estavam estas tias a ver as tias da idade das avós a jogar à sueca e o Senhor Frederico a voltar a passar com a mesma. Chegou a quarta-feira. E lá estava o Fulano e o Sicrano a discutir. E não é que estas tias adivinharam o que iria acontecer? Também não era difícil. Eram os gajos da TVI a gravar novelas. Novelas diferentes. Mas eram todas iguais. Toda a quarta-feira lá estavam eles a gravar. E elas a cuscar. Aliás. Eu acho que todos vocês conhecem a Maria Gertrudes e a Maria de Lurdes. Estão todos os dias no programa daquela rapariga da manhã, a Manuel Luís Goucha. Pronto. É isso. A Maria de Lurdes ainda fica para as Tardes da Júlia. Também é meia surda. Não há problema. Mas a Gertrudes tem que ir ter com o drogado. E depois o que aconteceu? Não sei. O resto da história está nas mãos do leitor. Nas mãos? Não. Na mente. Onde quer que seja. Nos pés. No intestino. No esófago. No fígado. Noções e conceitos aprendidos quando fui apreendido. Partilhei a cela com um Biólogo. Imaginem o resto que eu já não tenho imaginação para imaginar. Ah, acabei de receber uma mensagem escrita a dizer que a Gertrudes acabou de se casar. Entretanto foi cremada. Foi o marido. cobriu-a de creme! Devia ser um fetiche dele. O que é certo é que o senhor morreu. Era diabético.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Alto aí e pára o baile !

Pareceu-me que o tempo havia parado,
Como se tudo em nosso redor não tivesse vida.
As árvores, os rios.
Os mares e os amores entre mares e marinheiros.
Era como se a chuva caísse e não molhasse,
Como se o sol secasse aquilo que a chuva não molhasse.
Dasse.
Pareceu-me. Ou então era real.
O mundo parou. Nunca mais rodou.
Nem balançou com os tremores. Os meus tremores.
E temores. De amores. De paixão.
Ou de sono, quando caio da cama.
Com o meu peso o chão estremece.
Não que seja gordo, mas o chão é fracote.
Enfim, uma panóplia (…)
E agora façamos uma pausa.
Panóplia? Gosto muito desta palavra.
De emoções que ocorreram, de sonhos sonhados
E sonhos comidos trazidos pela minha tia.
Enfim.
Pareceu-me que o tempo havia parado,
Mas estava equivocado.
E finalmente percebi.
O Relógio ficou sem pilha.
Vou levá-lo ao relojoeiro.
E levei.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Longe, bem longe !

Diz-me,
O que procuras?
Com esse olhar de amêndoa.
Seguro, Sereno,
Sombrio.
Profundo como o mar.
Que vai pousando:
Num pálido penedo.
Num penhasco.
Que é parapeito do meu olhar.
Diz-me,
O que procuras?
Com esse olhar moribundo,
Vagabundo.
Talvez profundo.
Que me alcança o coração
E me penetra a alma.
Devia me acalmar?
Não me acalma.
Diz-me,
O que procuras?
Com esse olhar cego
Que o próprio cego não pode ver.
E eu também não.
Diz-me,
O que procuras?
Procuras, mas nada vês.
Nada sentes. Nada queres.
Nada tens.
Diz-me,
Porque me procuras?
Não estou aí.
Estou aqui.
Longe, bem longe.
Onde sempre irei estar.
Longe, bem longe.
“Estou aqui !”
Eu também estou:
Longe, bem longe!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ora Hora

Hora morta…hora viva.
Ora morta ora viva.
Hora primeira hora terceira
Ora morte na algibeira.
Hora d’ouro. Hora de prata
Ora vem ora quem,
Hora segunda e acata
Hora na horta ora torta
Ora sem hora:
Hora por aí fora !

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Não há uma norma-padrão para a escrita !

Deixa a chuva cair. Observa-a somente da janela. Deixa o vento soprar. Observa-o somente da janela. Fiquemos serenos neste confortável sófá. A lareira está acesa. O chocolate quente está quente. Sente esta fria brisa que entra pela fechadura da porta e pelas fendas existentes na parede que a idade da habitação só ajuda a dilatar. Estas paredes precisavam mesmo era de uma banda gástrica para deixarem de alargar. Puxa o cobertor polar para cima. Cobre os pés. Não te constipes. Vou-te buscar umas meias da avó do capuchinho. Enquanto isso, cuidado, pode chegar o lobo mau. Cheguei. Não, não chegou o lobo mau. Sou simplesmente eu com as meias. Veste-as. Sentes? Sim, agora já não tens tanto frio nos pezinhos. Estás feliz? Queres que te prepare alguma coisa? Uns rissóis? Uns croquetes? Umas coxinhas de frango? Dizem que cai muito bem com um chocolate quente, que entretanto esfriou. Mas vá, agora fita-me. Fita-me com o teu olhar. Mas não me fintes como o Cristiano. Só quero que me fites. Que me aprecies. Que me queiras. Que me embrulhes e me coloques uma fita na cabeça. Que me consumas como consumiste o chocolate quente que havia esfriado. A chuva parou. Mas o frio piorou. Olha, até rimou. Que engraçado que tu és, pensavas tu enquanto sorrias com esse teu ar maroto. Ou então era um sorriso irónico. Tu não me amas, pensava eu aquando o entristecer do meu coração. Leste-me os pensamentos e disseste que gostavas de mim. Foi uma cena realmente incrível. Digna de um filme de Bollywood. Quando disseste estas palavras, em simultâneo com o meu pensar, assustei-me e caí do sofá. Fiquei imóvel no chão. Mais precisamente um virgula cinco segundos. Depois ri-me. E voltei a rir. E ri novamente. Com gargalhadas que pareciam grunhidos de um ajuntamento de porcos. Em português correcto, e sem a influência do novo acordo ortográfico, uma vara. Tu também te riste de mim. Era tanta a nossa alegria. Tu disseste que eu era o António de Oliveira Salazar porque caí do sófá. Eu disse-te que tu eras a Oprah porque estavas alapada nele. Parecias uma marmanjona. Uma autêntica sopeira. Só te faltavam as argolas de ouro e as nike shoks. Ah, outra diferença é que não eras negra. Mais pareces uma autêntica sueca. Já que falo nisso, tenho saudades de jogar a ti. Passada a cavaqueira ficamos sérios. Muito sérios. Vamos beber vinho. Enchi o teu copo. Enchi o meu. Voltei a encher o meu. Novamente o meu. Mais o meu. Vou buscar outra garrafa. Um copinho para ti. Mais três ou quatro para mim. Vai tu buscar a garrafa que a idade já não me deixa vaguear pelo lar. Estávamos alegres. Muito alegres. Na verdade estávamos embriagados. Bêbados para os mais incultos. Bebemos um copo a mais. Ou muitos demais. Vi-te adormecer. A salivar enquanto dormias. A ressonar que nem uma vaca. Entretanto também adormeci. Quando acordei era hora de ir trabalhar. E fui.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um ser

Sou um ser que divaga no vazio da minha mente.
Sou um ser que emana vazio como se do cheio se tratasse.
Sou um ser
Que resplandece no cheio dos outros.
Vazio para mim, cheio para ti.
Sou um ser vazio que admite o vazio que há no vazio.
Um ser vazio camuflado pelo cheio, mas vazio
No fundo sou um ser que reflecte o que há em ti.
Sou um ser.
Vazio,
Mas um ser.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Isto é Literatura

Sente a minha mão
Segura-a.
Sente o meu pé.
Cheira-o.
Sente o meu calor.
Passa a tua mão pelo meu suor.
Sentes?
Exactamente
A minha mãe disse-me o mesmo
“Vai já para a banheira”.
E lá fui eu.
Peguei no patinho de borracha,
No esfregão e no líquido da loiça.
Lá fui eu.
Não a caminho de Viseu
Mas esfreguei cada pneu.
Hum, que cheiroso que estou.
Sente a minha mão
Segura-a.
Sente o meu pé.
Cheira-o.
Sente o meu calor
Passa a tua mão pelo meu suor
Sentes?
Exactamente,
Tomei banho.
Já agora, preciso de um lenço
Para assoar o ranho.
Se isto é literatura?
É, nua e crua.