quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Não há uma norma-padrão para a escrita !

Deixa a chuva cair. Observa-a somente da janela. Deixa o vento soprar. Observa-o somente da janela. Fiquemos serenos neste confortável sófá. A lareira está acesa. O chocolate quente está quente. Sente esta fria brisa que entra pela fechadura da porta e pelas fendas existentes na parede que a idade da habitação só ajuda a dilatar. Estas paredes precisavam mesmo era de uma banda gástrica para deixarem de alargar. Puxa o cobertor polar para cima. Cobre os pés. Não te constipes. Vou-te buscar umas meias da avó do capuchinho. Enquanto isso, cuidado, pode chegar o lobo mau. Cheguei. Não, não chegou o lobo mau. Sou simplesmente eu com as meias. Veste-as. Sentes? Sim, agora já não tens tanto frio nos pezinhos. Estás feliz? Queres que te prepare alguma coisa? Uns rissóis? Uns croquetes? Umas coxinhas de frango? Dizem que cai muito bem com um chocolate quente, que entretanto esfriou. Mas vá, agora fita-me. Fita-me com o teu olhar. Mas não me fintes como o Cristiano. Só quero que me fites. Que me aprecies. Que me queiras. Que me embrulhes e me coloques uma fita na cabeça. Que me consumas como consumiste o chocolate quente que havia esfriado. A chuva parou. Mas o frio piorou. Olha, até rimou. Que engraçado que tu és, pensavas tu enquanto sorrias com esse teu ar maroto. Ou então era um sorriso irónico. Tu não me amas, pensava eu aquando o entristecer do meu coração. Leste-me os pensamentos e disseste que gostavas de mim. Foi uma cena realmente incrível. Digna de um filme de Bollywood. Quando disseste estas palavras, em simultâneo com o meu pensar, assustei-me e caí do sofá. Fiquei imóvel no chão. Mais precisamente um virgula cinco segundos. Depois ri-me. E voltei a rir. E ri novamente. Com gargalhadas que pareciam grunhidos de um ajuntamento de porcos. Em português correcto, e sem a influência do novo acordo ortográfico, uma vara. Tu também te riste de mim. Era tanta a nossa alegria. Tu disseste que eu era o António de Oliveira Salazar porque caí do sófá. Eu disse-te que tu eras a Oprah porque estavas alapada nele. Parecias uma marmanjona. Uma autêntica sopeira. Só te faltavam as argolas de ouro e as nike shoks. Ah, outra diferença é que não eras negra. Mais pareces uma autêntica sueca. Já que falo nisso, tenho saudades de jogar a ti. Passada a cavaqueira ficamos sérios. Muito sérios. Vamos beber vinho. Enchi o teu copo. Enchi o meu. Voltei a encher o meu. Novamente o meu. Mais o meu. Vou buscar outra garrafa. Um copinho para ti. Mais três ou quatro para mim. Vai tu buscar a garrafa que a idade já não me deixa vaguear pelo lar. Estávamos alegres. Muito alegres. Na verdade estávamos embriagados. Bêbados para os mais incultos. Bebemos um copo a mais. Ou muitos demais. Vi-te adormecer. A salivar enquanto dormias. A ressonar que nem uma vaca. Entretanto também adormeci. Quando acordei era hora de ir trabalhar. E fui.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um ser

Sou um ser que divaga no vazio da minha mente.
Sou um ser que emana vazio como se do cheio se tratasse.
Sou um ser
Que resplandece no cheio dos outros.
Vazio para mim, cheio para ti.
Sou um ser vazio que admite o vazio que há no vazio.
Um ser vazio camuflado pelo cheio, mas vazio
No fundo sou um ser que reflecte o que há em ti.
Sou um ser.
Vazio,
Mas um ser.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Isto é Literatura

Sente a minha mão
Segura-a.
Sente o meu pé.
Cheira-o.
Sente o meu calor.
Passa a tua mão pelo meu suor.
Sentes?
Exactamente
A minha mãe disse-me o mesmo
“Vai já para a banheira”.
E lá fui eu.
Peguei no patinho de borracha,
No esfregão e no líquido da loiça.
Lá fui eu.
Não a caminho de Viseu
Mas esfreguei cada pneu.
Hum, que cheiroso que estou.
Sente a minha mão
Segura-a.
Sente o meu pé.
Cheira-o.
Sente o meu calor
Passa a tua mão pelo meu suor
Sentes?
Exactamente,
Tomei banho.
Já agora, preciso de um lenço
Para assoar o ranho.
Se isto é literatura?
É, nua e crua.

Chama o meu nome

Chama o meu nome.
Preciso que chames o meu nome.
Por uma última vez.
Chama o meu nome.
Desesperadamente te peço:
Chama o meu nome.
Não te vás sem o chamares,
Por favor.
Por favor.
Vivo esperei por este chamar.
Chama o meu nome,
Antes que eu me vá.
Antes que o meu coração pare.
Antes do findar do meu respirar.
Antes d’eu parar de clamar pelo teu chamar.
Antes, antes do fim.
Do meu fim.
Chama o meu nome.

domingo, 22 de agosto de 2010

Deixei-a passar.

Senti o tempo a passar por mim. Devagar. Muito devagar. Sem pressa. Mas sentia-o a passar. E ele passava. E sorria para mim com aquele seu ar irónico. E eu sorria para ele, com medo. Tinha medo do tempo. E circundava-me. E eu entrelaçava os braços enquanto me perdia no olhar. No meu próprio olhar. E o tempo passava. E caminhava eu. Em frente. Sempre para a frente. Mesmo que o caminho fosse para trás. Ou mesmo para os lados, esquerdo ou direito. E o tempo passava. E lá estava eu, a errar e voltar a errar. Constantemente a viver uma vida condenada à vivência do erro. E o tempo continuava a passar. Toda uma existência no mesmo registo. Toda uma vida condenada a uma existência a que chamei vida. Toda uma existência camuflada pela palavra vida. E eu sem perceber que a vida é que passava por mim. Devagar. E eu deixei-a passar.

sábado, 21 de agosto de 2010

O Sabor de Amar, a Vontade de Viver

Nasci criança, vivi criança.
Fui criança sem uma crença.
Fui criada, fui uma cria.
Na verdade eu queria
Um querer que o mundo não sabia.
Saber, até sabia,
Mas ele não cria.
Limitou-me no pensar, no agir e no Falar.
Mas não me impossibilitou de sonhar,
De amar, de correr e de gritar.
Nasci criança, vivi criança,
Com o sonho que uma criança transporta.
E transborda.
Como o sonho que perdura e volta.
E volta a perdurar e resistir.
Na minha mente.
Mente que cria no meu querer.
Não me deixou desistir.
E eu transbordo,
E transporto.
E volto a transbordar a alegria de viver,
O júbilo de poder sonhar
A vontade de crescer.
O Sabor de Amar.
O mundo não cria no meu querer,
No meu querer em descobrir
O Sabor de Amar, a Vontade de Viver.